domingo, 2 de dezembro de 2007

Os egoístas



Ninguém há de dizer que ela não arrasou naquela formatura que nem dela era, mas que soube levar em cima do salto – nem tão alto, porém tão incomum aos seus pés – o tempo todo. Dançou tudo o que quis o quanto pôde, com quem lhe deu na telha. Roubou pares. Não respeitou mesmo o flerte da formanda, grande amiga, e assaltou-lhe o alvo para as danças mais animadas com passos ensaiados. Até porque, podia: o alvo em questão era velho conhecido de todos na mesa, já sabia a muito o caminho da boca, corpo e alma da formanda e era um velho amigo ginasial. Ela podia e o fez. Fora o show a parte com seu parceiro oficial de danças e baladas.
É... ela arrasou. Talvez ninguém se lembre disso na próxima semana, mas não importa, ela vai lembrar... por tudo que a noite significou.
O baile acabou e ainda era cedo pra voltar pra casa. Os quatro – a formanda, o flerte, ela e o oficial para danças e baladas – concluíram que às 3:30h da manhã a sinuca não seria uma má opção e lá foram. Sorte dela que esbarrou com um antigo afeto daqueles que tem jeito, toque, boca e tudo mais que deixa lembranças saudosas e dele, das poucas palavras trocadas, ouviu o convite que a despertou. Encontra-lo mais tarde para uma conversa sem compromisso seria bom... era bom conversar com ele mesmo quando não acontecia nada. “Eu te levo em casa”. Isso era melhor ainda porque então ela sabia que alguma coisa ira acontecer. Estava acesa.
O bar da sinuca fechou e ainda era cedo para voltar pra casa. Estavam com fome e os quatro concluíram que as 4:30h da manhã a lanchonete que vendia esfirras à centavos não seria mesmo uma má opção e lá foram. Comeram o quanto puderam... se divertiram. Eram os únicos na lanchonete e como fossem donos do lugar, aos berros, se divertiram.
O relógio já marcava 5h da manhã, a lanchonete também já havia fechado e àquela hora o vento transpassava-lhes a pele potencializando frio e sono por debaixo dos vestidos decotados das moças e das blusas finas dos rapazes. Não pra ela. Estava acesa.
Pra ela ainda era cedo e a noite não terminaria sem que antes ela conseguisse ver aquele garoto. Foi no ímpeto. Conseguiu ainda arrastar junto um dos amigos. Foi na ânsia.
O cenário era o segundo andar de uma escola música: um local reservado para as reuniões de amigos do dono do lugar; era basicamente um sobrado antigo, com banheiros antigos, com sofás antigos e rockeiros de meia idade falando besteira numa mesa no quintal dos fundos acompanhados de nocivas misturas alcoólicas. E lá estava ela e o amigo, interagindo com aqueles elementos alcoolizados, ela ao lado do garoto, ele no seu despojamento habitual, ela acesa. Não passou dez minutos. Ele saiu. Ela ficou. Ficou lá na mesa no fundo do quintal... tentando interagir. Por acaso, olhou pro lado: ele estava lá, na porta, a chamando discretamente. Ela foi. Riu por dentro quando descobriu que o garoto achou que ela e o amigo fossem um casal. “Tudo bem! Todo mundo acha!...”. Ela riu. “Tenho pensado muito em você... senti saudades.”. Ele a puxou pra perto do corpo, umbigo colado, respiração ofegante. Ela mordeu os lábios. Não iria, não queria resistir. “Saudades do quê exatamente!?”. Ele se expressou sério. “De tudo.”. Mas também não resistiu aos apelos sensoriais. “Ainda mais depois desses últimos sonhos!.. Eu tenho sonhado muito com você!”.
Tudo isso num corredor aberto. Não iria dar certo. Certo era só que eles não queriam ser incomodados, não naquele momento. Ele, conhecedor do ambiente, escolheu o lugar: a sala ao lado. Pensou melhor: o banheiro ao lado.
Ninguém se deu ao trabalho de ascender a luz. Os raios da manhã quase iluminavam o lugar e era possível ver a decoração antiga: era um banheiro grande, grande e rosa, todo rosa, com pia, vaso, banheira e paredes rosa, com espelho decorado na borda. Um ambiente engraçado pra um momento tão “tenso”!...
Ele a encostou na parede. Daquele jeito que só ele sabia fazer... prendendo-lhe as mãos acima da cabeça numa imobilidade interessantemente excitante. Os carinhos tão íntimos, os beijos tão fortes... era difícil dizer se os dois haviam encontrado isso, nessa sintonia, em outros seres. Ele sentou, encostado à parede, e a puxou para seu colo. Pronto. Estavam acoplados de uma tal maneira que o que ele pedisse, ela faria. “Eu fui um idiota de não ter ficado com você a mais tempo. Naquela época eu estava com uns problemas e acabei deixando passar... eu fui um idiota! Olha isso! Olha pra você! Como foi que eu pude!?”. Ela analisou. “Humm.. bem...” Achou melhor não concordar e dizer que ele tinha sido mesmo um canalha de ter sumido daquele jeito. Estava tão bom estar ali com ele que não valia a pena estragar tudo. “Eu estou aqui agora, não estou!? Esquece isso!..”. “Achei que você nem viria...”. Ela segurou-lhe o rosto, olhou nos olhos, era sério. “Hey! Eu também senti a sua falta... e estou aqui, não!? Pois então...”. E entre desculpas por toda a babaquice do passado, ele exaltou seu corpo, sua beleza, seu sorriso – coisas que ela negava ter – e disse que queria que fosse, a partir dali, diferente. “Se você quiser me ver mais vezes... eu vou achar muito bom!”. Então deixaram tudo bem às claras: ela falou dos medos – de sofrer mais, de não conhecê-lo bem –, ele pediu-lhe paciência e falou em se esforçar pra que tudo fluísse fácil. Foi um bom acordo enfim. Selado com beijos fortes e sorrisos sinceros. Os beijos deles são fortes; mas também carinhos. O sol já havia raiado.
O relógio já marcava 6:30 da manhã. Os dois concluíram que melhor mesmo era sair dali; do contrário, não sairiam tão cedo. Despediram-se enfim. Voltaram ao quintal dos fundos com sorrisos imensos na cara. Ele na frente. Ela, minutos depois para resgatar o amigo sonolento. Despediu-se de todos, deu-lhe um beijo, disse tchau, foi. Encontraram-se no dia seguinte só porque ele a pediu pra ir ao show em que ia tocar. Não teve beijo nem afago. Ele também estava trabalhando no evento. Mas não teve nem um beijo, nem um afago.
No dia anterior, ninguém pensou no amigo sonolento à mercê dos rockeiros bêbados que só falavam besteiras – na verdade, ela até pensou, mas quem disse que tomou alguma atitude para salvá-lo?. No dia seguinte, o dia do show, ele não lhe demonstrou nada além da velha amizade e ela não teve a coragem de pedir-lhe mais que isso.
São, portanto, dois egoístas mimados.
Querem tudo pra si sem que precisem pedir: atenção, holofotes, carinhos, compreensão.
São dois egoístas sim.
Querem suas vontades satisfeitas acima de tudo, sem pensar nos outros.
Querem inclusive guardar só para si os sentimentos que deveriam demonstrar.

1 comentários:

Felipe Moratori disse...

No final de um bom texto é que a gente nota o título.


Amo vc