quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O oráculo

Muita coisa está por acabar por esses dias...
Muitos ciclos estão por se fechar...
Muitas palavras ficaram por ser ditas...
E há tantas outras por dizer...
E o tempo é tão escasso...
É muito...
É pouco...
É um nó atado na garganta que incomoda e quer sair...
É o único jeito de se proteger do que está por vir...
É mais difícil do que gostaria que fosse.
....
E de nada adianta esta postura indecente diante da vida...
Estancar o sangue, engolir o choro e dissimular
Não faz sentir menos.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Dragão magro na pista pop

Então era a primeira noitada do ano.
Todos os comparsas haviam desistido, mas os dois... esses tinham uma inexplicável e inabalável fé de que a noite seria perfeita e tudo que pudessem adjetivar de bom e feliz aconteceria.
Horas depois, eram os dois no bar do local previamente escolhido gritando seus anseios e idéias para o novo projeto em comum que desenvolviam, tentando fazer a voz superar o alto volume das músicas pop que se espalhava por todo o Café. Tinham breves momentos de silêncio e, nesses, iam longe: hora analisavam o ambiente, hora perdiam-se em si mesmos. Mas nada que superasse a expectativa de cravar os pés na pista de dança, achar um bom espaço, ficar por lá “se acabando”. Afinal, era o que pretendiam para a noite: dançar até não agüentar mais e dar boas risadas na companhia de pessoas interessantes; se acabar, como diziam.
Por um instante acharam que não seria possível: a pouca ventilação, a pista lotada e calor excessivo não lhes permitiu conforto suficiente para permanecer ali durante muito tempo. Mais uma cerveja no balcão foi a única saída que encontram. Dois copos. Dois copos cheios e um bebendo. Um bebendo por dois. “Acho que to meio alto.”. Diante do espanto do receptor da mensagem, veio a exclamação. “É que bebi tudo isso rápido demais! E também... ah, fala sério! Eu to bebendo por mim e por você!”. Daí decorre um diálogo em inglês de frases não terminadas e uma, em especial, que plantaria a dúvida que perduraria o resto da noite. Aliás, perdura ainda hoje. Quem ouviu, não teve coragem de perguntar o que aquilo significava ou mesmo como a frase terminaria. Preferiu não alimentar os dragões famintos da mente fértil que tinha e acreditar que o locutor estava até mais “alto” do que afirmava estar.
Mudaram de assunto.
Mudaram de ambiente: voltaram pra pista. E lá tudo exalava alegria e hormônios a flor da pele. Sensações estranhas começaram a se fazer notar. Não que nunca tivesse observado os atributos do companheiro de pista, não... pelo contrário, sempre soube deles por análise própria ou por terceiros. Só evitava pensar na possibilidade de qualquer coisa além da amizade sincera que tinham porque, qualquer um há de convir, nutrir esses pensamentos não é saudável entre amigos! Mas a pele queimava mais a cada dança. O pop tem dessas coisas de deixar tudo mais... sensual e excitante. E por mais que tentasse dissipar a idéia, o corpo dizia outra coisa. Os corpos diziam outra coisa. Coisas que não devem ser ditas. Coisas que devem ser apenas...feitas. E foram. Claro, houve a relutância antes da ação. Todo aquele jogo de sedução podia estar sendo direcionado à outra pessoa e então seria um desastre a conclusão dessa história, mas lembrou-se que estavam ali para começar o ano bem e isso incluía, achou, também mais auto-confiança. Fez-se então valer dessa máxima e pediu permissão para o que ia cometer. Grande crime esse...
Lembrou-se ainda, antes de qualquer ato extremo em causa própria, de trancar bem longe das garras daqueles famintos os delírios sentimentais que cultivou até o ano anterior. Permitido àqueles monstros era agora só doses cavalares de realidade nua e crua, coisa que pouco apreciavam. Dragões loucos e sedentos…
Sabia que, posto o pé na rua, seriam, os dois, bem resolvidos quanto ao assunto se fosse assim. “Sem traumas”, foi o que pensou. Sairiam do café de alma leve, amigos ainda com a mesma intensidade, e com a sensação de missão cumprida: a primeira balada do ano foi mesmo espetacular.
E entre clássicos adolescentes dos anos 90, Madona, Village People, divas do Pop, CSS e o Bonde do Rolê dançando a Macarena enquanto o Justin Timberlake flertava com a Rihana, eles eram agora amigos selados. Se é que você me entende...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Expurgo interno de ano novo

Bebeu.
Antes, durante e depois do juntar dos ponteiros, bebeu.
Bebeu exageradamente como sempre fez quando em companhia de outros tantos com sentimentos igualmente exagerados.
Naquele dia, os cinco eram exagerados de felicidade por estarem juntos, de esperança por dias melhores e de álcool. Muito álcool.
Era ano novo.
.........
Daí que pra ela o ano começou aos poucos, em fases, e aqueles minutos mágicos nos quais a maioria dos humanos pede paz e se promete renovação, pra ela, viraram dias. Dias de ansiedade pelo o que haveria de vir, diluídos na angústia de saber que o seu “reveillon interno” ainda demoraria muito a chegar.
O ponto inicial foi a descoberta do novo. Ou melhor, do novato.
O novato era o amigo do amigo – aquele quem, em edições passadas, compunha o artigo masculino dos três loucos – e foi uma feliz descoberta. Era engraçado, desenvolto e o papo fluía bem com ele, mas ainda era “o novato”, precisava do teste de fogo: a cozinha. A cozinha, que sempre foi o local de nascimento de filosofias, de discussões acaloradas e de risadas sem fim. Nosso ringue. Nosso canto preferido da casa. Se o novato não se adequasse àquele ambiente e não se virasse bem por ali, não seria nosso, seria só o amigo do amigo ou, quem sabe com sorte, seria pra sempre o novato. Mas ele surpreendeu. Em poucos minutos fez seu aquele habitat hostil e ganhou a todos – mentira, ganhou a ela – ao, estampando no peito toda a confiança que tinha nas próprias habilidades, mostrar-se prestativo e solidário às causas e necessidades do grupo.
Mas ainda havia tempo. Aquela meia hora antes, onde todos correm pra ajeitar os retoques finais... pra deixar tudo certo e sóbrio pra tão esperada hora dos fogos, pra ela se tornaria mais: começava ali sua jornada de ano novo e o primeiro passo era a redenção.
Achou mesmo que tinha comentado com uma das melhores amigas sobre a reunião que faria em casa para a fadada passagem.Achou errado. Sabia que a moça estaria em companhia de familiares distantes e talvez por isso tenha se preocupado menos. Só ligou na tal “meia hora antes” pra desejar tudo aquilo que se deseja nessas épocas e, bem, descobriu a gafe que havia cometido. Como pudera? Uma pessoa tão importante e ela simplesmente esquece!? Enfim. Estava feito. Preferiu não lamentar. Desculpou-se o quanto achou necessário e pediu aos céus que o perdão fosse real e se estendesse a todas as burradas que já tinha feito e que ainda haveria de fazer.
Os fogos estouraram. Isso levou algum tempo, mas por todas as partes, onde era possível ver céu, pontos luminosos apareceram em cores diversas, formas diversas e, já altos, os cinco conseguiram até ver desenhos elaborados com mensagens subliminares na fumaça do foguetório.
Porém o ano dela, ao menos, a sua virada só se deu depois que todos já tinham ido dormir. Depois das conversas em inglês com o novato, depois de incentivar a realização de seus anseios mais íntimos ali pelo corredor do prédio mesmo, depois de cuidar do mal alcoólico do garoto, depois de se certificar do sono velado de todos, depois mesmo de seu ritual noturno. Ela deitou no colchão macio da cama, que acabou por dividir com o novato, já um tanto tonta e olhou para o teto enquanto constatava que realmente não estava bem. Preocupou-se em não acordar os outros. Virou para o lado, meteu a cara no vão entre a cama e a parede, e vomitou.
Começou o ano assim: expulsando de si todo o passado embriagado que ainda lhe restava nas entranhas, expurgando os males do ano anterior. E, sabia, se algum gosto amargo insistisse em habitar a boca no dia seguinte, logo seria aplacado com uma boa dose de café. “Nada que o tempo ou chá certo não resolva.”, pensou antes de fechar os olhos e caçar, no sono profundo, a resignação da alma.
Os dias que seguiriam ainda lhe reservariam tensões, expectativas e frustrações.
Mas isso já é outra história...